O boneco existe, ou talvez não, resumindo a dúvida que envolve a natureza humana. Buzău, este é seu nome, faz afirmações e imediatamente as nega, ao desestimular ilusões, embora viva dos enganos - o personagem principal no centro do imponderável.
Ao ler Paulo Fernando Craveiro em O Boneco Íntimo, e em seus romances anteriores, ninguém, sequer o autor, será capaz de delimitar a fronteira entre a realidade e a imaginação. Aí o absurdo é relevante como a lembrar Pascal e Kiekegaard, que justificam o contrassenso como reflexo do humano, demasiadamente humano, recordando-se aqui o que possa sugerir o viés nietzschiano. Assim, nada faz acreditar que seja desprovido de sentido o fato do boneco ser o homem, ou vice-versa, o homem a se transformar no boneco.
Sem jamais abandonar a admiração por Jorge Luis Borges, o autor se fortalece com o pensamento de Harold Pinter, para quem não existe diferença entre o real e o irreal, o verdadeiro e o falso.
Embora a afeição do autor sejam mais as palavras do que o enredo, O Boneco Íntimo jamais se afasta de uma narrativa que serve sobretudo como exercício de estilo. O seu rigor está no manejo das unidades da língua escrita. Aqui incorpora-se ao pensamento de António Lobo Antunes: “A única coisa que me interessa é o trabalho com as palavras. A intriga não interessa nada.”
Acompanhe no romance a travessia da vida de Buzău, alter ego de quem o construiu. A criatura viaja de Râşnov, na Romênia, para outro país. Suas aventuras e desventuras incluem testemunhos amorosos, a dependência de alguém para falar e a certeza de que a imprecisão o acompanhará.
O boneco vem da terra do Drăculea, que significa Filho do Dragão, circunstância que indicará, como uma bússola, o seu norte.
No transcorrer do livro, o autor homenageia o cinema que o enfeitiçou na infância e adolescência, e continua a encantá-lo, envolto pelo mesmo sentimento que Italo Calvino transmite em memórias cinematográficas. Na Autobiografia de um Espectador, que faz parte de O Caminho de San Giovanni, Calvino recorda que o impressionava, ao sair do cinema, “o contraste entre duas dimensões temporais diferentes, dentro e fora dos filmes.”
No romance, a realidade ressurge, simples ou complexa, na sucessão de improbabilidades. Até a descoberta que mudará sua vida e a vida do ventríloquo, Buzău resvalará por um mapa quase sempre surpreendente e não raro perturbador, ouvindo seus próprios passos ou induzindo o leitor a ouvi-los.